Não é matando formigas que sobreviveremos.
Gostaria de ser uma pessoa melhor para escrever essa resenha, queria que estivéssemos em um lugar melhor ao ponto de que essa ficção distópica não fosse tão identificável.
Observação: caso você esmague uma formiga, você não será um assassino.
Iniciei a leitura recebendo uma quantidade enorme de informações sobre formigas, a longevidade, a força, alimentação, seu sistema de trabalho, entre outras, mas a informação crucial e alegórica é simples “caso você mate uma formiga isso não fará de você um assassino”, mas afinal esse livro não é sobre formigas, mas na verdade é.
Por que esperar algo de uma sociedade que luta pelo bem dos outros só até onde convém?
Nossa protagonista é a República da Terra das Palmeiras, um país, o seu povo que aclamava por mudanças, mas que não tinha esperança e os poucos que ainda tinham as eleições se mostravam como uma promessa de luz no fim do túnel, nela viam um homem que dizia ser diferente, que ia acabar com a fome, com pessoas em situação de rua e talvez até com a violência!
Eu lhes apresento o comandante supremo da nação.
Eu lhes apresento o líder do país.
Eu lhes apresento o chefe de Estado.
O Presidente.
A história da República da Terra das Palmeiras se desenvolve a partir da vitória do Presidente, com ele vem inicialmente pequenas mudanças e como as pessoas são cegas a essas mudanças, e até concordando com elas, repetindo erros já cometidos no passado. Esse ponto nos faz refletir o pensamento: “Ninguém percebeu o holocausto? Como as pessoas deixaram isso acontecer?”. Matando Formigas traz as respostas de uma forma bem crua, as pessoas são más, egoístas em sua essência, talvez não de propósito, mas por preferirem não ver, de ignorar até que as consequências cheguem até elas, “a sua luta é minha só até o ponto que preciso disso”.
No fundo muitos não querem resolver a fome e pobreza do mundo. Só não querem vê-la.
Enquanto pequenas formigas – humanos –, que eram consideradas menos que isso, somem aos poucos, o barulho em torno disso é apenas um pequeno ruído ao fundo, ao ponto que o Presidente fale explicitamente de limpeza nas ruas, moradores de rua não contribuem para a sociedade, deixam apenas a cidade suja, não é justo com o “cidadão de bem” que contribuiu. O barulho vai aumentando quando atingir ditos “inocentes” que tem uma casa, que são trabalhadores, que são homens, mulheres e crianças no lugar errado na hora errada. (Isso lembra algo?)
Aos poucos, o mundo via que as pessoas de bem matavam mais que os bandidos.
“Falar que era contra o governo era falar que você não era uma pessoa do bem”, assim muitos foram a favor da “limpeza”, e o que acontecia com pessoas que eram apenas vistas como incômodos as leis iam mudando, se fechando, a violência Policial chegando a grupos que nunca haviam a experimentado antes, o Povo foi se tornando culpado até que se provasse o contrário, mas nem tinha tempo de provar. “O Presidente estava contra o Povo, a Polícia estava contra o Povo, o Povo estava contra o Povo”.
Não falo que elas são santas. Formigueiros são capazes de acabar com plantações.
Com uma escrita tão forte, que lembra os dias atuais, Matando Formigas foi um grande acerto de leitura principalmente neste ano. Com uma narrativa de impacto, o narrador vai nos contando o desenvolvimento da República da Terra das Palmeiras sem precisar nomear personagens, nada se tem uma importância individualmente, talvez apenas o Presidente, mas a voz dele eram pensamentos de muitos, as ideias deles tinham ouvidos sedentos para o ouvir, não importavam que se tinha um genocídio como consequência desses ideais, a desculpa de um “bom motivo” sempre em alta, no fim, “o bem matando mais que o mal”.
Sabe, amor é compartilhar os piores segredos e sentimentos. E vou compartilhar com vocês uma coisa: a maioria das pessoas é burra.
Enfim, eu indico muito mesmo esse livro, para aqueles que gostariam de pensar, refletir e não escolher passar mais tempo na República da Terra das Palmeiras.
Matando Formigas
Filipe Salomão
Ano: 2020
Páginas: 91
Editora: Independente
Sinopse:
Um homem se elege e transforma a nação em que vive em algo nunca antes visto. Com a intenção de “limpar” sua cidade ele mostra como as pessoas ficam cegas em relação ao poder e as escolhas dele. Nesse livro veremos como cometemos os mesmos erros de anos atrás. Veremos que os erros são cíclicos e que se não prestamos atenção acabaremos por cometer as piores injustiças. Matando formigas mostra como cada ser é importante, ou, na opinião de alguns, como podemos nos livrar de alguns pelo bem maior. Conheça República da Terra das Palmeiras e o seu Presidente: uma distopia em uma sociedade que pode estar muito mais próximo do que imaginamos. A obra abordará um tema sensível para os dias atuais, mostrando como a linha que separa o certo do errado é, às vezes, muito tênue. Vejam como mudanças no comportamento de uma nação acabam por jogar para fora da sociedade grande número de pessoas. Uma distopia que, infelizmente, pode ser real em algum lugar do mundo.
Sensacional! Muito obrigado mesmo pela atenção e carinho
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