Estou de volta e dessa vez com um livro da editora Sextante, em um universo que aprendemos a acreditar ser algo hollywoodiano, só que realmente existiu durante a Guerra Fria, a espionagem. Os agentes que ajudaram a salvar os países, e a destruir, dependendo do lado em que entrega as informações, é a temática do livro O Espião e o Traidor. Então prepara o coração para essa resenha, porque se no filme de ação já ficamos agitados, na vida real é pior.
Como um início de um filme de espiões, a primeira cena começa com um personagem chegando em Moscou, nervoso apesar de ser um cidadão do país, olhando para os lados a espera de algum ataque dos seus próprios amigos de trabalho ou empurrado para dentro de uma van preta, enquanto caminha em direção a sua casa. Em meio a tanto suspense, a trama se eleva no momento em que o personagem percebe que a tranca da casa está fechada, e ela nunca esteve. Era a confirmação que ele precisava, a KGB, o comitê de segurança do estado, está vigiando ele. Mas por quê?
O cliffhanger do primeiro capítulo é tão bom que te leva a querer ler para descobrir porque um cidadão que está sendo vigiado pela KGB até agora não foi morto e porque ele decidiu voltar para casa. A URSS não era famosa por ser boazinha a quem ela considerava inimiga de estado, e lá estava Oleg Gordievsky, um agente duplo que futuramente iria ser conhecido como um dos maiores espiões do mundo, fingindo que estava tudo bem para não chamar a atenção da KGB, enquanto ignorava as escutas em sua casa, as câmeras escondidas e o pó radioativo em suas roupas.
[...] paralisante, com a arrepiante e gélida certeza de que alguém tinha entrado, revistado e provavelmente posto sob escuta o seu apartamento. Estava sob suspeita. Alguém o traíra. A KGB vigiava. O espião a ser espiado pelos seus colegas espiões.
A escrita foi feita em um estilo de jornalismo literário e dividido em partes: O início da vida de Oleg e a sua relação com a KGB, suas missões fora da URSS e o que o levou a querer ser um agente duplo, e por último as dificuldades de passar informação e do medo de ser pego. Uma jornada que nos leva de volta ao primeiro capítulo no final da história, descobrindo porque Oleg voltou para Rússia. Algo que incrementa ainda mais a narrativa são os comentários das pessoas sobre o que sentiam e pensavam no momento certo, dando um aprofundamento maior de que realmente aconteceu.
A trama é tão imersiva que você esquece que se trata de fatos reais, Oleg apesar de ter existido aos poucos se torna um personagem de ficção. O que é algo bom, já que o escritor detalhava os sentimentos de Oleg junto com as cenas, e de forma esperta, nunca é revelado se Oleg sobreviveu ou não, tendo que acabar o livro para descobrir ou, claro, procurando na Wikipédia, mas já aviso para não fazer isso, a emoção de estar lendo algo que realmente aconteceu sem saber se a pessoa morreu ou não é eletrizante, então controle sua ansiedade de leitor e rapidamente você terá sua resposta.
Em nenhum momento parece ser uma biografia maçante, os capítulos sempre terminam com alguma reviravolta e personagens novos, alguns para destruir Oleg e outros para ajudar. Porém, acredito que o que mais irá prender o leitor, além de claro saber se ele sobrevive ou não — como aconteceu comigo —, é aprender sobre como funcionava a KGB durante a Guerra Fria: treinamentos, missões, departamentos, cargos, regras, entre outras coisas que tornaram tão popular e temida até os dias atuais, criando famosos espiões, entre eles Vladimir Putim, atual presidente da Rússia.
Recrutou agentes e plantou espiões no mundo inteiro, recolhendo, comprando e roubando segredo militares, políticos e científicos em toda a parte. No auge do seu poder, com mais de um milhão de funcionários, agentes e informadores, a KGB moldou a sociedade soviética mais profundamente do que qualquer outra instituição.
Algumas informações que me surpreenderam sobre o funcionamento da KGB na época foram:
— A KGB tinha (talvez ainda tenha até hoje, nunca iremos saber) duas espécies de espiões, o Legal e o Ilegal.
— Os espiões ilegais tinham vários papeis no estrangeiro, um deles era ser potenciais membros de uma quinta-coluna, preparados para lutar se começasse uma guerra entre o leste e o ocidente.
— A KGB não era um clube em que a pessoa podia se candidatar, eles escolhiam quem queriam.
— Os espiões aprendiam a criar um “local de sinal”, em que normalmente não significava nada para um cidadão comum, mas uma marca de giz, uma garrafa abandonada, poderia indicar várias mensagens a um espião. Muito filme, né?
— O espião tinha um nome falso, porém parecido com seu nome original, para caso cometesse o erro de responder em seu verdadeiro nome ele poderia dizer que soou parecido. Genial!
As informações são tantas que não dá para colocar tudo na resenha. Oleg desvendou para o Ocidente como era as engrenagens da KGB e, acredite se quiser, preveniu o mundo até de uma guerra nuclear que só anos depois foi contada ao público. As informações dessa época ainda são bem guardadas pelas grandes agências, CIA, MI6 e KGB, só sabemos o que eles divulgaram. Oleg contou tudo que sabia para o escritor Ben Macintyre, se quiser descobrir mais sobre o mundo da espionagem, acredito que O Espião e o Traidor será uma boa escolha.
Informações Técnicas do livro
O caso de espionagem que acelerou o fim da Guerra Fria
Ben Macintyre
Tradução: Simone Reisner
Ano: 2021
Páginas: 384
Editora: Sextante
Sinopse:
Seguindo os passos do pai e do irmão, Oleg Gordievsky se tornou oficial da KGB após frequentar as melhores instituições soviéticas. Porém, ao contrário deles, nutria uma secreta aversão pelo regime da URSS.
Ele resolveu assumir seu primeiro posto da inteligência russa em 1966. Em 1974, tornou-se agente duplo do MI6, o serviço de inteligência britânico, e dez anos depois era o homem mais importante da União Soviética em Londres.
Gordievsky ajudou o Ocidente a virar o jogo contra a KGB na Guerra Fria, expondo espiões russos, fornecendo informações de extrema relevância e frustrando incontáveis planos de espionagem. Ele foi fundamental para distensionar a relação com a liderança soviética, que estava cada vez mais paranoica com a possibilidade de um ataque nuclear dos Estados Unidos.
O MI6 tentou ao máximo proteger seu espião, nunca revelando o nome de Oleg para seus colegas da CIA. Só que a agência americana estava determinada a descobrir a identidade da fonte britânica privilegiada.
Essa obsessão acabou condenando Gordievsky: o homem designado para identificá-lo era ninguém menos que Aldrich Ames, que se tornaria famoso por espionar secretamente para os soviéticos. Agora o russo estava em perigo.
Com base em diversas entrevistas com ex-membros do MI6, da KGB e da CIA, Ben Macintyre entremeia a vida de Gordievsky e Ames, apresentando um dos episódios mais extraordinários da espionagem mundial.
Que resenha maravilhosa... vou por na minha lista de leitura.
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