26 abril, 2022

# @efinco # Clássico

Resenha :: O Perfume: A História de Um Assassino



  Pode conter spoiler.


Olá, pessoas. Essa é uma resenha um pouco diferente, porque ela CONTÉM LEVES SPOILERS, não que vá estragar sua experiência de leitura (caso ainda não tenha lido), mas pensei em escrever para quem leu e precisa encontrar alguém para "conversar" sobre essa história, com tantas camadas e facetas, além de um perfil psicológico completamente incrível.

 

Vamos conhecendo a vida de Jean Baptiste Grenouille desde seu nascimento em Paris, no ano de 1738. Filho de uma feirante, ele veio ao mundo em uma barraca de peixe na cidade mais suja e mal cheirosa do século XVII. Após a morte de sua mãe, sobrevive a doenças e pestes em diversos lares miseráveis e que, apesar das circunstâncias contrárias, desde o primeiro instante sua obstinação em viver era maior que as adversidades.



O autor compara o personagem ao carrapato, então vemos além do ser parasita, a ligação com o sangue e com não um viver, mas um existir. O tirar do outro para que sua existência continue, mesmo que não se note um propósito maior que o de estar vivo. Contra todos os prognósticos, Grenouille acaba desenvolvendo duas características que mudariam sua vida, ao mesmo tempo em que não tinha nenhum cheiro, ele era dotado de um olfato apuradíssimo. As descrições nos mostram o que motivou sua loucura e como ele adquire sua força física. Do mesmo modo, explica seu conhecimento da cidade a ponto de torna-lo um fantasma, tão camuflado por sua falta de cheiro e o conhecimento dos aromas que o faz quase invisível, não rastreável. 

  

De uma maneira muito interessante, vemos como mesmo nosso protagonista adquire sua força física. Talvez, como pessoas urbanas e dotadas de água encanada, o detalhe nos passe desapercebido. Mas o autor se encarrega de nos contar sobre suas atividades no curtume, que o faziam carregar baldes de água até o ponto de a pele de suas mãos e todo o corpo começarem a apodrecer por estarem constantemente úmidos e, além desse ganho de força física nos braços, temos a atividade de cavar e enterrar e cavar e desterrar, o que sinceramente só consigo pensar em um vigoroso exercício para todos os membros.

  

Desde jovem estava acostumado a passar pelas pessoas sem que nem sequer tomassem conhecimento dele, não desconsideração — como uma vez tinha acreditado — mas por que não notavam a sua existência.

 

Outro fator é que vemos sua total falta de escrúpulos e até uma falta de aversão natural a qualquer coisa que nos é nojenta ou repulsiva. Sendo que desde que lhe garanta a sobrevivência consegue fazer. Enfim, todas as explicações para as perguntas que geralmente temos diante a um assassinato. QUEM, COMO e PORQUE. 

  

O desconforto, a falta de lógica e uma compreensão são esperados e até bem-vindos, afinal o livro se passa ao redor e dentro da mente de um psicopata, um assassino que não tem nenhum sentimento para com o crime que comete. Assim como sua mãe, que calmamente confessou o assassinato de 4 bebês recém-nascidos e que sim, iria dar o mesmo destino ao Grenouille, caso as circunstâncias não houvessem interferido. 

  

E assim, de forma brilhante, um autor alemão cria na França seu monstro e nos convida a conhecer como funciona a mente de um assassino que, em busca de continuar vivendo e alimentando a única coisa que dá sentido a sua existência, comete uma série de assassinatos no mais perfumado país do mundo. No personagem Baldine temos uma verdadeira aula de história, das mudanças de pensamento, sociais e culturais, que junto a navegação levavam a novos mundos. Aos que como Boldine estavam perfeitamente satisfeitos em ficar parados, eram engolidos pela roda da história.

  

O carrapato havia farejado o sangue. Durante anos tinha estado quieto, encapsulado, esperando. Agora se deixava cair, pela vida ou pela morte, completamente sem esperanças. Por isso sua certeza era tão grande.

 

Ao se encontrar em um estado de graça, pela inexistência de odores e aromas que o atormentavam, ele se sentiu um deus e, com referências a João Batista e a própria criação do mundo, entramos em seu "reino", ao qual criava segundo sua vontade e onde tudo era bom. E ainda sim, qualquer humano que o visse contemplaria não um homem, mas alguém mais bicho que gente. Não um deus, mas um louco em pleno surto. Assim em sua loucura de carrapato, animal a deus, rei e humano, finalmente sucumbiu ao delírio de qual nunca ousara. De não apenas existir, mas viver para ser adorado entre os homens, mulheres e crianças. Não como igual, mas superior a todos.  Talvez agravado pela situação em que o corpo físico existia ou sobrevivia.



Em um brilhantismo que só os clássicos possuem, se explica porque o odor, aroma, cheiro são tão importantes, tão vitais ao instinto de sobrevivência da espécie humana. E, com tudo de forma quase reverente, o autor nos revela que não é apenas um "bom nariz", nem mesmo um de excelência, responsável pelo aroma, perfume e fragrâncias, é um processo infinitamente maior e mais complexo, que compreendem diversas etapas e habilidades a serem celebradas aí sim, pelo nariz. 

  

Basta dizer que toda mãe sabe o cheiro do filho, que inebria e aquece o coração, tornando cada momento único e marcando a fundo as memórias daqueles primeiros dias e meses. Que alguns perfumes e cheiros estão tão ligados a lembranças que a memória é instantaneamente ligada a pessoa ou ao momento, como no cheiro da pele da pessoa amada que desperta o desejo sexual, o conhecido feromônio.

  

É bem verdade que não amava um ser humano, nem mesmo uma jovem da casa atrás da muralha. Amava uma fragrância. Só ela e nada mais, e unicamente como a sua futura e própria fragrância. Iria buscá-la dentro de um ano, isso ele jurava por sua própria vida. E depois dessa estranha solene promessa, dessa jura de amor, desse voto de fidelidade feito diante de si mesmo e de sua futura fragrância, abandonou alegre o local, voltando para a cidade pela Porte du Cours.

 

Por fim, para os apaixonados por thrillers e romances policiais, somos brindados com a figura detetivesca que descobre o padrão dos assassinatos (assim como nos entrega o título), mas esse não é um livro sobre mocinhos. Somos guiados pelo vilão e até o último momento o suspense do que irá acontecer fica em suspenso e a leitura ganha contornos surpreendentes até o fim: Um final impossível de se esquecer.




Informações Técnicas do livro

O Perfume 

A História de um Assassino 

Patrick Süskind 

Tradução: Flávio R. Kothe 

Ano: 2008 

Páginas: 280 

Editora: Bestbolso 

Sinopse:

Romance em formato de bolso que deu origem ao filme homônimo estrelado por Dustin Hoffman, Ben Winshaw e Alan Rickman. 

O perfume se passa na França, século XVIII. O recém-nascido Jean-Baptiste Grenouille é abandonado pela mãe junto a restos de peixes em um mercado parisiense. Rejeitado também pela natureza, que lhe negou o direito de exalar o cheiro característico dos seres humanos, pelas amas-de-leite e por instituições religiosas, o menino Grenouille cresce sobrevivendo ao repúdio, a acidentes e doenças. Contra todos os prognósticos, Grenouille acaba desenvolvendo duas características que mudariam sua vida – ao mesmo tempo em que não tinha nenhum cheiro, ele era dotado de um olfato apuradíssimo. Este último talento permite que deixe para trás a pobreza para brilhar na indústria da perfumaria. 

Mas Grenouille, um personagem amoral, não ambiciona a fama ou a fortuna que sua habilidade poderia lhe proporcionar, mas um poder maior sobre as pessoas, baseado na sedução dos odores sobre a alma humana. Assim, Grenouille dedica-se obsessivamente, e sem recuar diante do crime, à preparação de um perfume irresistível, que permitisse conquistar e dominar qualquer ser humano. Com uma linguagem impetuosa e frenética, o autor Patrick Süskind conquistou leitores de todo o mundo. 

O perfume foi traduzido para mais de 40 países e chegou ao cinema com uma superprodução memorável de Tom Tykwer, estrelada por Dustin Hoffman, Ben Winshaw e Alan Rickman.


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