Ao descobrir o diagnóstico do meu filho (Sam, mamãe te ama!) como autista, fiz o que creio que toda leitora faria: fui em busca de livros que me ajudassem a lidar com esse mundo até então desconhecido para mim. E Passarinha foi o primeiro livro que li, após recebê-lo de presente de uma querida amiga. Por isso, ele tem um significado ainda mais especial para mim, mas eu amei a leitura por méritos da própria e quero tentar compartilhar sobre ela com você.
Nesse livro, vamos acompanhar essa história do ponto de vista de Caitlin, e só por isso já há um grande diferencial nessa obra. Afinal a maioria de nós vai conhecer o olhar de alguém onde o mundo todo é preto e branco. Qualquer coisa entre um e outro dá uma baita sensação de receio no estômago e a obriga a fazer bicho de pelúcia, entenda isso no sentido literal, mas prometo que ao ler vai ser tranquilo entender.
Por que o modo de Caitlin é assim? Sendo uma menina de dez anos, autista, portadora da Síndrome de Asperger, ela não sabe como captar o sentido, é isso que seu irmão, Devon, sempre tentou explicar às pessoas e a ajudava a fazer a transição entre aquele mundo, que é tão seu, e os das outras pessoas. Porém, agora ela se vê sem seu irmão. O agora é o depois do dia em que a vida desmoronou, seu pai, devastado, chora muito sem saber ao certo como lidar com isso.
Uma pausa para dizer que atualmente não se usa o termo "Síndrome de Asperger" como diagnóstico. Hoje o diagnóstico é o "T.E.A.", Transtorno do Espectro Autista. A síndrome de Asperger define um estado do espectro autista, geralmente com maior adaptação funcional. Pessoas com essa condição podem ser desajeitadas em interações sociais e ter interesse em saber tudo sobre tópicos específicos (dito de uma forma simplista).
Olho para o armário de Devon do outro lado. O ar-condicionado faz o lençol levantar só um pouco. Em seguida fica parado feito um morto. Olho de novo para o vídeo de Bambi e o recoloco na prateleira porque está me dando uma sensação de recreio no estômago e eu não sei por quê.
Ela quer ajudar o pai — a si mesma e todos a sua volta —, mas Caitlin, que não gosta de olhar para a pessoa nem que invadam seu espaço pessoal, se volta, então, para os livros e dicionários, que considera fáceis por estarem repletos de fatos e após ler a definição da palavra desfecho, tem certeza de que é exatamente disso que ela e seu pai precisam. E Caitlin está determinada a consegui-lo. Seguindo o conselho do irmão, ela decide trabalhar nisso, o que a leva a descobrir que nem tudo é realmente preto e branco, afinal, o mundo é cheio de cores, confuso, mas belo.
E, acredite, esse é apenas o início do que você vai encontrar nesse livro e nessa história. Afinal, além do luto, a autora nos mostra o autismo feminino, pois também pode ocorrer em meninas, mesmo a maior incidência sendo nos meninos, porém o que torna o autismo feminino mais delicado é por o diagnóstico ser mais difícil. Outra palavra que vai permear a leitura é empatia, tanto na história quanto da parte de quem lê, afinal para o que a maioria é simples, para Caitlin é o maior dos desafios: se relacionar com outras pessoas. E com a trama se passando predominantemente dentro de uma escola, todos os principais dramas e conflitos da jovem Caitlin acontecem ali, onde ela está constantemente rodeada de pessoas.
Embora eu não achasse que iria gostar da empatia ela é uma coisa assim que chega sem avisar e faz você sentir um calorzinho gostoso no Coração. Acho que não quero voltar para uma vida sem empatia.
Como vamos aprendendo durante a leitura, no autismo existe sempre uma demanda de uma pessoa como ponto de segurança, seja na crise, seja para dar ao ambiente um ar de “familiaridade”, como um farol que diz: “Pode vir, tudo está escuro e assustador, mas você estará seguro, estou aqui!”. E perder o irmão representa a perda de tudo isso que ela via em seu irmão Devon, e desperta várias coisas em simultâneo. Para ela, mais que para a maioria, isso é ainda pior de lidar.
Então, durante o livro vamos acompanhando suas lutas e vitórias, a busca por novos “faróis” e pelo tão necessário desfecho. Na descoberta, tanto dela quanto de seu pai, que um pode ser o porto seguro do outro e que ao aprendermos que todos somos diferentes e que isso é maravilhoso, torna tudo mais fácil, mesmo com as dificuldades da vida. E o quanto a escola é preponderante nesse processo que ocorre dentro e fora dela.
Acho que eu não vou gostar nada disso. Acho que vai doer. Mas talvez depois da dor eu consiga fazer uma coisa boa e forte e bonita de tudo isso.
Eu sorri e chorei muito lendo esse livro, pela beleza do texto maravilhoso, que fez eu me sentir tão aprendiz da vida quanto a pequena Caitlin, que aprende a caminhar ao lado, ter “finess”, empatia — “calçar os sapatos do outro”. Aprende também a difícil arte de capturar a “nuance” dos sentimentos em expressões e, principalmente, encontra o desfecho das coisas e sobretudo o fator de Devon ser um personagem que a morte não ausenta da vida de sua irmã, pelo contrário, a vida dos dois juntos ganha mais força e significado com a ausência.
Todo quadro do autismo é brilhantemente retratado, em especial pelo fato da autora estar no espectro, então ela nos dá um vislumbre perfeito. E cabe as pessoas (nós) neurotípicas (ou típicas), sendo todas aquelas que não possuem problemas de desenvolvimento neurológico (ou não autistas), abrir o coração e vislumbrar o mundo todo especial dessa menina extraordinária. Fica o convite para colocarmos nossa empatia em dia!
Sobre a edição: a editora consegue, a começar pela capa, tornar a leitura uma experiência única, pensada nos mínimos detalhes para fazer quem ler ter a experiência de viver no mundo da pequena Caitlin, como no fato de ter várias frases enormes que não têm NENHUMA vírgula, palavras com letras maiúsculas no meio das frases e sílabas tônicas destacadas em maiúsculo. O estranhamento é inevitável, mas faz toda diferença no processo de leitura. A fonte, diagramação e papel amarelo contribuem para a leitura ser confortável, sem erros de digitação ou ortografia.
Informações Técnicas do livro
Passarinha
Kathryn Erskine
Tradução: Heloísa Leal
Ano: 2013
Páginas: 224
Editora: Valentina
Sinopse:
No mundo de Caitlin, tudo é preto e branco. Qualquer coisa entre um e outro dá uma baita sensação de recreio no estômago e a obriga a fazer bicho de pelúcia. É isso que seu irmão, Devon, sempre tentou explicar às pessoas. Mas agora, depois do dia em que a vida desmoronou, seu pai, devastado, chora muito sem saber ao certo como lidar com isso. Ela quer ajudar o pai – a si mesma e todos a sua volta –, mas, sendo uma menina de dez anos de idade, autista, portadora da Síndrome de Asperger, ela não sabe como captar o sentido.
Caitlin, que não gosta de olhar para a pessoa nem que invadam seu espaço pessoal, se volta, então, para os livros e dicionários, que considera fáceis por estarem repletos de fatos, preto no branco. Após ler a definição da palavra desfecho, tem certeza de que é exatamente disso que ela e seu pai precisam. E Caitlin está determinada a consegui-lo. Seguindo o conselho do irmão, ela decide trabalhar nisso, o que a leva a descobrir que nem tudo é realmente preto e branco, afinal, o mundo é cheio de cores, confuso mas belo.
Um livro sobre compreender uns aos outros, repleto de empatia, com um desfecho comovente e encantador que levará o leitor às lágrimas e dará aos jovens um precioso vislumbre do mundo todo especial dessa menina extraordinária.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado por seu comentário!! Bem-vindo(a) ao Clube do Farol!