Escrevo essa resenha com apenas uma respiração após terminar a leitura dessa trilogia, talvez porque não teria palavras quando o sentimento de fim tivesse aterrado, não que eu tenha palavras suficientes no momento, mas mais que uma leitura, ler Binti foi uma sensação, um experimento, algo que eu tenho que falar logo após passar pela experiência. Apesar de não achar que poderei escrever algo que o possa definir, essa resenha vai ser eu tentando.
Devo começar explicando que apesar de ser tecnicamente uma trilogia, o livro foi lançado no Brasil pela Galera Record em um único livro dividido em três volumes, não são longos, pois Binti, na verdade, é considerada uma novela. Acredito que essa foi minha primeira experiência com o formato, pelo menos conscientemente, e sinceramente achei muito interessante e a edição do livro é uma das mais lindas.
Nós, himba, não viajamos. Ficamos onde estamos. Nossa terra ancestral é vida; afastar-se é ser reduzido a nada. Nós, inclusive, cobrimos nosso corpo com ela. Otjize é terra vermelha.
Uma das coisas que eu mais achei rica nesse universo é a mistura de tradição cultural com ficção científica, havia coisas tão entrelaçadas que por vezes era nos explicado um traço cultural através de acontecimento científico, o mundo é tão diferente como igual no mundo de Binti.
Lemos a história de uma menina himba, que são um dos povos mais inteligentes ao mesmo tempo que são tão tradicionais, com alguns costumes, que até poderia chamar de conservadores, em relação às mulheres de sua comunidade, mas não apenas a elas. Binti é um ponto fora da curva, ao mesmo tempo que é exatamente como as outras, assim como se besunta de Otjize*, da forma que é costume entre as mulheres de seu povo, por outro lado decide fugir de sua terra para ir a Universidade de UniOomza, a instituição superior mais prestigiada da galáxia, mesmo que isso a transforme em uma pária entre seus similares.
Meu povo é obcecado por inovação e tecnologia, mas é pequeno, isolado e, como eu disse, não gosta de deixar a Terra. Preferimos explorar o universo viajando pelo interior, não exterior.
Confesso que em vários momentos tive alguns estranhamentos com a leitura, não por ser ruim ou difícil, mas principalmente quando Binti sai da Terra para a Universidade em outra galáxia, que apenas 5% do seu corpo discente é composto por humanos. Nós somos apresentados a descrição de várias criaturas diferentes, algumas longe de serem perto de humanoides, pessoas de povos que se assemelham a aranhas, grilos, ganhos de árvores, algumas nem tanto sólidas assim, outras como as medusas, que são mais próximas de águas vivas... Posso dizer, por conhecimento de causa como leitora de muitas sci-fi, a cada página tinha mais essência da ficção científica do que muitos livros inteiros. Como iniciei a resenha, a leitura de Binti é uma experiência!
O problema entre as medusas e os khoush era uma luta antiga e um desentendimento mais antigo ainda.
A história de Binti gira em torno de uma guerra, que ela não faz parte, entre os Khoush e Medusas, os primeiros são humanos que também são da Terra, mas ela sendo do povo himba não é considerada. As coisas se desencadeiam logo no início da viagem para UniOomza, um ataque que vai moldar os três volumes dessa novela. Confesso que o início, principalmente o volume 1 que nem é tão grande, não me prendeu tanto a história em si, as coisas demoraram um pouco a desenvolver depois do primeiro plot, mas entre os volumes 2 e 3 me prendeu muito mais nos acontecimentos, e me fez odiar e amar personagens que passaram. Não darei detalhes da história, pois sendo uma trilogia ligada, um acontecimento ou citação de alguns personagens seria spoiler. Mas depois de Binti, a medusa Okwu e o enyi zinariya Mwinyi foram os que me apeguei mais rapidamente. Não nego também que passei muita raiva com os himba, assim como com os Khoush (bem mais com esses). Entre preconceitos, racismo e xenofobia até entre povos que eram semelhantes em sua constituição, esse livro deixou muito para se refletir.
As ramificações, os harmonizados, a linguagem matemática do livro e como todo esse universo é ligado a ela foi muito interessante de ser ler, mesmo para a garota de humanas que vos escreve (risos), o dom de enxergar a matemática e a compreender é mais fantástico e bem mais difícil do que voar na minha opinião (risos). Bom, essa novela tem tantas coisas que poderia falar, que com certeza não vou nem raspar por cima do que nos é apresentado pela autora Nnedi Okorafor.
Eu era himba, uma mestre harmonizadora. Também era medusa, com a raiva vibrando em meus okuoko. E também era enyi zinariya, do Povo do Deserto, dotada de tecnologia alienígena. Eu era mundos.
Imaginar as características de Binti foi uma das coisas mais prazerosas nesta leitura, ainda falta muito de protagonistas negras e tão ligadas a essa ancestralidade. A protagonista, apesar de várias vezes ser superestimada por sua origem, tinha em si uma essência e inteligência que poucos igualariam, mesmo ainda sendo uma adolescente. Foi também minha primeira viagem em uma história Africanos-Futurista e foi incrível. Sinto que falei muito, mas ao mesmo tempo tão pouco, espero que leiam e compartilhem essa sensação.
A morte é sempre uma novidade.
*OTJIZE É UMA MISTURA DE GORDURA DE MANTEIGA E PIGMENTO OCRE USADA PELO POVO HIMBA DA NAMÍBIA PARA SE PROTEGER DO CLIMA SEVERO DO DESERTO.
Informações Técnicas do livro
Trilogia completa
Nnedi Okorafor
Tradução: Carla Betelli
Ano: 2021
Páginas: 378
Editora: Galera Record
Sinopse:
Prepare-se para conhecer Binti, vencedor dos prêmios Nebula e Hugo e finalista do British Science Fiction Association Award. A extraordinária trajetória de uma menina de sua casa até a longínqua Universidade de Oomza, fora dos limites da Terra.
Seu nome é Binti, e ela é a primeira de seu povo a ser aceita pela Universidade de Oomza, a instituição superior mais prestigiada da galáxia. Sua aptidão em matemática e habilidade com astrolábios fazem dela a candidata perfeita para empreender esse desafio interestelar. É, realmente, uma oportunidade imperdivel. Mas se decidir partir para explorar as estrelas, passará a viver entre estranhos, pessoas que desconhecem completamente as tradições e os costumes himba – e, principalmente, desistirá de seu lugar entre a familía.
No entanto, conhecimento tem um custo, e Binti está disposta a pagar o preço. Mas sua jornada não será fácil. Ela precisará deixar a proteção da vida familiar em sua casa, atravessar as estrelas, afastar-se das fronteiras da Terra, mas isso não é tudo: o mundo que deseja entrar está há muito tempo infestado por Medusas – uma raça alienígena que se tornou seu maior pesadelo. A Universidade de Oomza desonrou as criaturas de uma forma inacreditável, e a viagem estelar de Binti a deixará ao alcance da rainha Medusa.
Se Binti quiser sobreviver ao legado de uma guerra não causada por ela, precisará unir os dons e a sabedoria de seu povo à sabedoria dos decanos da Universidade – mas, primeiro, ela precisa chegar viva ao planeta.
A edição brasileira de Binti conta os três volumes da trilogia reunidos em um único volume. Da mesma autora de Bruxa Akata, a série é a primeiro de Nnedi Okorafor ambientado no espaço.
“Há mais imaginação em uma página do trabalho de Okorafor do que em épicos de fantasia.” – Ursula K. Le Guin
“Binti é uma leitura esplêndida sobre uma ousada afropolitana no espaço. Uma combinação maravilhosa de aventura extraterrestre e diplomacia africana milenar. Inesquecível!” – Wanuri Kahlu, diretora premiada por trás dos filmes Pumzi e From a Whisper.
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