Olá, pessoa. Eu conheci essa coleção graças ao livro O Vento da Noite (resenha aqui), desde então ela figurava na minha lista de quero ler, e quem busca alcança, encontrei a minha chance e a aproveitei ao máximo, agora compartilho um pouco sobre ela.
Foi muito interessante conhecer um autor fora do trecho Europa — Américas, rendeu um pouco de pesquisa ("dei um Google"), afinal como informa o próprio livro, o período em que viveu não pode ser datado com precisão, mas é provável que seja no período Gupta, provavelmente no século IV ou V ou VI... O autor foi um renomado poeta e dramaturgo sânscrito clássico, amplamente considerado como o maior poeta e dramaturgo nesse idioma. A ponto de seu lugar na literatura do Nepal e da Índia ser semelhante ao de Shakespeare na inglesa.
Suas peças de teatro e poesias são principalmente baseadas na mitologia e filosofia hindus, assim a história tem seu fio condutor nas estações e climas, nos rituais e tem em seu texto uma complexidade agridoce.
O Verão
O autor explora o calor e como ele recai sobre a Terra quando o sol reina absoluto sobre o tempo. Na combinação do suor com a preparação dos corpos dos amantes para o enlace, dos cheiros do suor combinados com os perfumes, durante o alívio do clima vindo das noites. E, em contrapartida, como o mesmo sol castiga os animais que não encontram alívio nos rios agora secos e nas árvores sem folhas para abrigo e sombra. Como o fogo pode ser mortal sobre a Terra e para os amantes o ápice do ato.
É o verão. O amor adormecido desperta sobre a doce carícia dos leques, que roçam os seios perfumados e ordenados de pérolas, entre canções, gorjeios de pássaros e os acordes da vina.
Em uma mudança de cenários que expõem as diferenças entre os seres e o ambiente, observamos a fauna e flora, em paralelo à cultura e a civilização, trazendo uma complexidade abrandada pelo texto em rima e cadência. Mostrando o lado primitivo que se desenvolve sob o calor do sol na estação em seu pleno domínio.
A Estação das Chuvas
As águas de chuva que renovam a terra e indicam aos animais que é tempo do nascer no ciclo da vida. A beleza que acrescenta a natureza tal qual é como é o mais rico adorno para mulher. E o bradar da tempestade provoca a busca por abrigo e segurança e nos amantes excita a fusão dos corpos. Mas tal qual as lágrimas o excesso das águas pode trazer não apenas as benesses, mas também a dor.
Então, elas se desmancham em chuvas, em chuvas que tombam com um som novo e encantador à alma, em chuvas que esperam depois de meses, agonizantes de sede, os pássaros tchatakas, que bebem as gotas em pleno voo.
Em uma dança eterna, a primavera traz a morte e a vida entrelaçadas. Enquanto os casais e amantes buscam o acasalamento seja para o prazer ou para procriação. As águas ditam o que nasce, floresce e morre conforme sua precipitação sobre todas as coisas.
E aqui o autor explora todas as facetas dessa dança e de suas variações. As flores em seu auge de beleza e esplendor. Na natureza e nos corpos, seja in natura ou nos perfumes.
O Outono
O que foi semeado a primavera tem seu auge nessa estação. De clima moderado tal qual a jovem em seu primeiro amor. Linda e fresca seja no corpo, seja a natureza. Tudo se mostra com as melhores cores, o clima ameno e a exuberância que vem após a tempestade em dias de bonança.
E o vento da aurora, que colheu sobre os nenúfares brancos gotas de orvalho gelado, derrama uma chuva de prata sobre a donzela que estremece na manhã renascida.
Sob o clima do outono o autor une de forma paralela os deuses, natureza e humanidade que se vestem para bodas e festas, onde se celebra a plenitude da existência, seja o novo ou o velho amor. A primeira ou já não contada colheita.
O Inverno
Agora é o momento que põem luz sobre o que a paixão escondeu. O que em outra foram carícias, se revelam em arranhões, mordidas que durante a ato tiveram seu gozo, agora doem e sagram a luz da luz. Os corpos não buscam, mas um ao outro pela paixão e sim pelo calor. O que antes eram adornos em busca da sedução, dão lugar ao que encobre, aquece e esconde.
Ah! que esta estação, companheira do frio, seja propícia aos teus desejos! Possa ela te arrebatar a alma das mulheres pelas tuas paisagens recobertas por espessas searas de arroz e pelo canto dos pássaros que repousam sobre a neve!
A Estação dos Orvalhos
Ainda no inverno, porém em sua despedida, no tempo do degelo, na água que não vem das nuvens.
Foi-se o culto das noites: elas agora são frescas e molhadas de orvalho; o amante as abandona, apesar da suas jóias estreladas.
Como a manhã pós festa, as mulheres examinam sob a luz os despojos da noite de amor. Algumas sentem alguma vergonha, outras se regozijam como se cada marca fosse um tesouro do saque ocorrido no corpo do outro, na busca pelo prazer.
A Primavera
Já sem a saciedade da noite, um novo preparar-se para o encontro com o amante. Novas pinturas e ornamentos, enquanto a natureza que segue outros horários aproveita-se e banqueteia-se com os prazeres.
Vê, a Primavera triunfa, universal: a árvore coral como um fogo em brasa, a floresta de Kinçoukas, inclinada ao peso de suas flores, revestindo como de uma túnica a terra que resplande como uma esposa nova!
Assim a cada estação, vamos compreendendo o que o calor do sol a noite propicia ao amor e ao passar das estações, temos os ciclos do clima e figurativamente o passar das horas. Da noite a madrugada adentro, as primeiras horas da madrugada ao amanhecer. O ciclo da vida e do amor é contemplado pelos deuses e natureza, vontades e desejos. Sentimentos.
Ao final de cada uma das partes, uma prece, um desejo, uma benção. Que de verso em verso seduz, encanta, enreda quem ler nos cheiros, belezas, emoções e sensações do texto. Fascina.
Textos para serem apreciados, degustados e, cada um a seu tempo, rendem uma leitura prazerosa. Talvez seja preciso dizer que o erótico não é gráfico, "hot" é algo delicado, velado e desnudado não no texto, mas no contexto. Não é sobre o ato, mas sobre atitudes e sensações, motivações. Desejo. Boa leitura, divirta-se!
Edição: Com ilustrações e diagramação similares à primeira edição de 1944, A Ronda das Estações faz parte da reedição da Coleção Rubáiyát e conta com tradução de Lúcio Cardoso, um dos maiores romancistas do século XX. Diagramação, texto e papel contribuindo para o conforto da leitura, a linda tradução e revisão impecáveis dão ao livro uma unidade única como obra.
Informações Técnicas do livro
Coleção Rubáiyát
Kâlidâsa
Tradução: Lúcio Cardoso
Ano: 2022
Páginas: 96
Editora: José Olympio
Sinopse:
Com ilustrações e diagramação similares à primeira edição de 1944, A ronda das estações faz parte da reedição da Coleção Rubáiyát e conta com tradução de Lúcio Cardoso, um dos maiores romancistas do século XX.
Em A ronda das estações (Ritusamhâra), escrito no século V, Kâlidâsa aproxima natureza e prazeres sensuais, revelando como o amor apaixonado se reacende e se transforma com a chegada de cada nova estação. O lirismo e a paixão perpassam todo o texto. O poema erótico provavelmente foi escrito na juventude do autor, que é conhecido como um dos maiores escritores sânscritos de todos os tempos.
A tradução é de Lúcio Cardoso, um dos mais importantes escritores e poetas brasileiros. Nascido em Curvelo (MG) em 1912, é autor do prestigiado romance Crônica da casa assassinada. Traduziu diversas obras para a Editora José Olympio, incluindo Ana Karenina, de Leon Tolstói, e Orgulho e preconceito, de Jane Austen. Em 1966, recebeu o Prêmio Machado de Assis pelo conjunto de sua obra. Faleceu em 1968, no Rio de Janeiro (RJ).
A ronda das estações faz parte da reedição de títulos da Coleção Rubáiyát em comemoração pelo ano do 90° aniversário da José Olympio, uma das editoras pioneiras e mais inovadoras do país. Essa publicação devolve aos leitores e leitoras de hoje a oportunidade de conhecer a histórica coleção – composta de grandes clássicos orientais e ocidentais.
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