Ler crônicas é como reviver os tempos menos acelerados, onde existiam encontros de família ao redor de uma fogueira, seja para espantar o frio e os mosquitos da noite ou em celebração a algum festejo. O importante era o encontro, a troca de companhia por histórias e momentos que quem viveu guarda no coração e na lembrança como de posse de um tesouro.
Com uma narrativa em primeira pessoa, vamos vivendo cada crônica, como em A Existência de Uma Mulher Negra, a autora aproxima quem lê da própria história, convida a entender sua escrita do ponto de vista mais íntimo e também menos particular. Porque, além de sua história, fica claro seu legado. Tanto na escrita quanto na vida.
Me lembrou a frase do poeta cubano José Martí que diz que "Há uma coisa que uma pessoa deve fazer na sua vida: plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro." Esse é o quinto livro publicado da autora e também uns dos premiados. Esse foi vencedor do prêmio Uirapuru 2019 na categoria Crônicas.
Mas a gente devia aprender na escola que amor não é felicidade e que homem não é segurança, nem garantia de nada. Falo para minha filha que casamento não é emprego.
Opinião traz os questionamentos sobre censura, crítica, democracia de forma concisa, porém abrangente, e incita a quem ler a pensar sobre suas próprias opiniões. Vejo como uma provocação deliciosa para antes de ler e para depois. Em um exercício de compará-las ao final da leitura (as do antes com as do depois), em um ciclo de aprendizado que todo livro deveria trazer. A leitura é fluida, com um texto bem atual e linguagem contemporânea, mas para ler sem pressa, com calma, cada crônica tem seu próprio tempo de leitura.
Toda mulher sabe que alguns locais são quase sagrados e servem além de serviço, de confessionário. Se tem em uma profissional, seja a manicure, cabeleireira ou depiladora, uma confidente que entrega, além do serviço, um momento que só outra mulher consegue entender. Porque não é apenas a beleza, mas uma rede de apoio que salvou muitas mulheres ao longo da história.
O coração partido tem um som peculiar que só as pessoas capazes de empatia podem ouvir. Este som aparece como choro, mas também pode ser em forma de reclamações sem fim, num acesso de fúria.
Com uma linguagem contemporânea, vamos acompanhado as histórias que tecem uma linha de tempo definida, mas não marcada. Como a história sobre um espaço de gastronomia ou de como somos obrigados a “engolir sapos” que não são digestos, mas que dentro de nós são devidamente trabalhados no barulho enlouquecedor do silêncio dos pensamentos. Que ganham sabedoria com o tempo, mas não deixam de serem amargos com o passar da idade.
E toda vida contém doses de alegria, seja a verdadeira que perdura ou a que se faz no sorriso pelo absurdo. Em Implicante eu sorri e não pude deixar de pensar que a vida é mesmo assim, cheio dessas implicâncias. De frases que tem um duplo sentido, mas quem pergunta se assegura que iremos entender o sentido a que ela à pergunta atribuiu e não aquele a quem foi perguntado entendeu.
Natureza cruel essa minha de eterno debater-me. Se eu fosse de me conformar, talvez inventasse menos de mim para exceder. Quem sabe existir fosse mais fácil se me aquietasse na superfície da normalidade.
Gosto de crônicas por isso, são sobre a vida que é vivida e não aquela sonhada nos romances que garantem a dose de sofrimento e final feliz. É uma leitura que quem lê reconhece mesmo que não se identifique. Mas identifica seja o sentimento ou a situação.
Como os dias onde o mau-humor é o único humor, que dá risada daquelas situações que tornam o local onde se vive único e as pessoas que moram nele mais únicas ainda. E cada página é uma fotografia escrita da vida. Seja uma gripe, um adeus ou até logo. O cabelo que faz a sua própria vontade não a da cabeça onde ele cresce. Da vida e do medo de não viver, de apenas existir, das angústias e certezas. Que fazem de cada recorte um álbum da nossa existência! Então meu convite é para leitura, reflexão e diversão.
A edição está linda, com encadernação e impressão boas. Papel amarelo e diagramação que, além de compor com o texto, também facilita a leitura, com excelente tamanho de fonte e espaçamento. Excelente revisão, sem que eu tenha observado erro de digitação ou ortografia. Amei a composição de cores da capa e os textos nas orelhas.
Informações Técnicas do livro
Sem Interrupções
Carla Cintia Conteiro
Ano: 2020
Páginas: 88
Editora: Folheando
Sinopse:
O cronista é um observador da vida e os fatos captados pelo filtro de seu humor, imaginação e personalidade são a própria essência da crônica.
Esse tão brasileiro gênero literário é repleto de histórias pintadas com as cores do autor, testemunha da vida.
“Em algum momento, você perceberá que acumulou demais do que é preciso entregar a alguém. Quem quer receber o tanto de afeto que temos dentro do peito? Quem tem tempo de ouvir tantas histórias que guardamos como tesouros em nossos corações? Quem se desperta com nossas elucubrações? Para não sufocar os desavisados com os produtos da nossa alma, da nossa ternura, da nossa sede insaciável de viver, nós engolimos tudo isso como dá. Em algum lugar existe – há de existir! – com quem ou como dividir tudo o que nos está transbordando sem uso.”
Este livro é um bom lugar para transbordar.
Elis, já li o livro, cuja autora é minha amiga de faculdade. Suas palavras só fizeram enaltecer a obra como ela merece. Resenha linda, como tudo que você escreve.
ResponderExcluirAutora e resenhista moram no meu coração.
Abraços,
Gisela
Ler para Divertir