Meio audacioso querer resenhar um livro como esse, de tantas histórias, que o romance contido nele é apenas uma parte dela, nele está vinculado a história de seu autor, Oscar Wilde, sua ascensão e seu declínio, até sua imortalidade. Mesmo que os personagens de Dorian Gray sejam apenas fictícios, não tem como falar de O Retrato de Dorian Gray sem falar do seu autor e vice-versa.
“A concepção de que o próprio Wilde está presente nos personagens, de que autor e obra são a mesma essência, é tão intensa que ‘[...] até hoje as capas do romance trazem, em sua maioria, fotos do seu autor, como se ele fosse o próprio Dorian Gray. Este vínculo é pouco comum na literatura em geral. Poucas são as obras que se fundem ao autor num nível tão profundo.’ E talvez o mais relevante fato entre o romance e Oscar Wilde seja como a obra fora utilizada nos julgamentos contra seu autor.” (Luiz Gasparelli Junior)
Publicado pela primeira vez em 1890 nos EUA e na Inglaterra no periódico literário Lippincott’s, o texto foi resenhado, acusado por jornais de destaque devido a um suposto conteúdo indecente, imoral, decadente (daí para baixo), o que levou durante um tempo esse romance a ter diversas edições suprimindo parte da história, literalmente dizendo, ela teve algumas partes censuradas em novas publicações, até finalmente ser usada como prova importante contra o autor em julgamentos pelo conteúdo homoerótico, em que ele foi acusado e condenado por manifestação homossexual.
Livros indubitavelmente são artefatos perigosos. Alguns volumes condenam seus autores à execração pública. Outros, põem em risco a sanidade de seus leitores. Há ainda aqueles que desafiam as percepções de gerações inteiras, produzindo pequenos, porém permanentes, terremotos de pensamentos.” (Enéias Tavares)
Obviamente existem mais nuances na condenação de Wilde, mas aponto aqui que tudo começa, termina e se eterniza através de O Retrato de Dorian Gray, e é desse Romance que preciso falar agora.
Era um livro venenoso.
Ao descrever um pouco do que se sucedeu na vida do autor por conta desse livro, muitos podem ler com uma expectativa de ser algo explícito, que nos chocaria atualmente, mas apesar de ondas de conservadorismo literário que muito vemos por aí, nada se compara a época de uma Londres vitoriana que Oscar vivia, as pequenas insinuações podem não ser chocantes hoje em dia como na época, mas não é o fato de ser escandaloso ou não para nós que faz esse livro ser incrível, mas o brilhantismo na construção dessa história que fez, para mim, uma das melhores leituras do ano.
Dorian Gray é, para mim, simplesmente uma razão para a arte. Talvez você não veja nada nele, mas eu vejo tudo.
Três personagens são essenciais aqui, o próprio Dorian Gray, Basil Hallward e o Lorde Henry Wotton. Inicia-se pelo fascínio do pintor Basil pelo jovem Dorian Gray, cuja beleza e personalidade o encantam de forma que enxerga nele sua musa, sua razão para arte, para tudo, um fascínio genuíno, que o faz pintar o famoso retrato para contemplar toda a beleza do jovem.
Estava claro que o método experimental era o único método a partir do qual se podia chegar a qualquer análise científica das paixões; e certamente Dorian Gray era o objeto de estudo ideal, e prometia resultados ricos e frutíferos.
Lorde Henry é um personagem interessantíssimo, com uma filosofia de vida meio sádica, pensamentos controversos e influência tão forte em seus discursos que seu encontro e amizade com Dorian ditam todo o rumo da história. É bem fácil colocar a culpa toda nesse diabo e seus ideais tortos, ao mesmo tempo ficar com os olhos presos em suas falas, mesmo que obviamente algumas sendo ridículas. Inclusive, durante a leitura, percebi que várias frases famosas atribuídas a Oscar Wilde vieram da boca desse personagem. Esqueci de mencionar que ele pode escrever uma tese inteira sobre a inferioridade feminina, um cínico.
A noção da própria beleza o assaltou como uma revelação.
Dorian Gray é uma figura à parte, é a razão do fascínio dos outros e dele mesmo, tanto por sua beleza extrema, como por uma personalidade cativante, durante a leitura enxergamos as mudanças nele, se não na aparência, mas em sua alma. Não concordo com a ideia de que lorde Henry ser o principal motivo da mudança de Dorian, logo no começo ele já se mostra com um egoísmo e narcisismo que só vai aumentando com o tempo, claro que essa amizade o aflorou, como ele mesmo pensa no livro: “Basil teria me salvado”.
A única maneira de se livrar da tentação é ceder a ela; resista e sua alma adoecerá com o anseio do que lhe foi proibido, com o desejo daquilo que leis monstruosas tornaram monstruosas e ilícito. Diz-se que os grandes acontecimentos do mundo ocorrem no cérebro. É no cérebro, e apenas no cérebro, que se manifestam também os grandes pecados do mundo.
Dorian Gray não resiste às tentações que lhe são apresentadas, como eu disse não existe coisas muito explícitas no livro, muito só conseguimos imaginar pelo tamanho horror das mudanças no seu retrato que carrega todo os pecados de sua alma, e seu envelhecimento, enquanto o verdadeiro Dorian segue intacto na aparência. Outros pecados como sua veneração por si mesmo, o único amor que o segue durante os anos é a ele mesmo, e seus desfrutes materiais ganham mais descrições em um passar de tempo.
Cada vez mais enamorado da própria beleza, cada vez mais interessado na corrupção da sua alma.
Dorian Gray fora envenenado por um livro. Havia momentos em que via o mal simplesmente como um método pelo qual poderia concretizar seu conceito de beleza.
O Retrato de Dorian Gray foi uma leitura fascinante, assim como o próprio Dorian, mas principalmente como o próprio Wilde. Comprei a edição da Darkside que acho importante comentar, não apenas por ser belíssima, uma das mais lindas que já vi, mas também é a versão sem censura, que ainda possui extras como uma pequena biografia do autor, imagens dele, assim como descrições sobre seus três julgamentos e como seu livro foi usado contra ele para o condenar, além de outros escritos do próprio Oscar Wilde, como ensaios e poemas, etc.
O homem devidamente bem informado... esse é o ideal moderno. E a mente do homem devidamente bem informado é algo terrível.
Terminei a leitura encantada pelo Romance e por Oscar Wilde, repensando nas injustiças que ele viveu em vida e muito envolvida em seus pensamentos tão contemporâneos sobre arte, principalmente a literária. Obviamente o livro traz pensamentos e preconceitos que se contextualizam pela sua época e por vezes apenas para a construção do personagem mesmo, não posso afirmar ou negar se uma passagem ou outra revelam o próprio pensamento do autor, então leiam com isso em mente, e espero que a leitura seja tão boa e viciante como foi para mim.
Fiz minha escolha, vivi meus poemas e mesmo finda a juventude desperta, Achei a coroa de dor do amante melhor do que a coroa de louros do poeta.
Informações Técnicas do livro
O Retrato de Dorian Gray
Oscar Wilde
Título Original: The Picture of Dorian Gray
Tradução: Paulo Cecconi
Ano: 2021
Páginas: 320
Editora: Darkside
Sinopse:
Londres, 1890. Entre médicos e monstros, assassinatos e mistérios, uma história sobre imortalidade, beleza e criminalidade é criada por uma das mentes mais indomáveis da história da literatura. O Retrato de Dorian Gray, a história da pintura maldita que se degrada com a passagem das décadas, deixando o seu modelo intocado pelo tempo, finalmente adentra a galeria da DarkSide® Books em uma edição feita para agraciar admiradores e arrebatar novos leitores.
Único romance de Oscar Wilde, O Retrato de Dorian Gray combina o apuro literário e estético de seu autor com uma trama sombria, pontuada por paixões, crimes e a brilhante e sarcástica verve wildeana. Publicado em 1890 na revista norte-americana Lippincott’s, o romance foi relançado em livro um ano depois em uma edição que censurou diversos trechos da obra. Dorian Gray primeiramente ofendeu uma geração vitoriana que encontrou na relação entre os amigos Dorian, o jovem retratado, Basil, o pintor apaixonado, e Henry, o lorde cínico, “o amor que não ousava dizer o seu nome”. Depois, fascinou leitores, críticos e artistas, que viram no enredo que remete ao mito de Fausto o Evangelho de um decadentismo que acredita em uma vida de arte, prazer e fascínio sensorial. Tudo isso em meio a um fim de século no qual a convenção e a moralidade corroíam qualquer prazer que a existência humana poderia desfrutar.
Organizada por Enéias Tavares ― que além de autor da casa, é professor e pesquisador ― a edição especial da DarkSide® Books vem repleta de conteúdos exclusivos. Paulo Cecconi assina a nova tradução, que teve como base a edição original publicada na revista Lippincott’s e sem censura. O pesquisador Luiz Gasparelli Jr., especialista em Wilde, contribui com notas que aprofundam a experiência de leitura, repletas de dados biográficos, referências culturais e apontamentos sobre o processo criativo de seu autor.
A edição da Caveira traz ainda o dossiê “Retratos de Oscar Wilde”, com registros fotográficos do autor, as duras resenhas que o romance recebeu, o apimentado debate entre os críticos e o próprio Wilde e um texto de Gasparelli sobre os julgamentos que levaram Wilde à prisão em 1895. A edição inclui ainda seu ensaio “Caneta, Tinta e Veneno” e uma seleção de poemas compilada e traduzida por Tavares, além das ilustrações originais do pintor e impressor Henry Keen, produzidas em 1925 para a edição norte-americana deste clássico.
O Retrato de Dorian Gray é um romance sobre a destruição da vida através da perfeição da arte, dos preços que pagamos pelos crimes deixados em segredo, das paixões nominadas e inomináveis que transformam quem somos naquilo que deveríamos ser, não pelos outros e sim por nós mesmos. Com seu romance, Oscar Wilde pede que reinventemos a nós mesmos pela arte, a beleza e a paixão, justamente o que a sociedade e a moralidade desaconselham. Assim como Dorian, você também colocaria a arte, o prazer e o desejo acima de todas as coisas?
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