24 junho, 2022

# @efinco # Conto

Resenha :: Antes que o Café Esfrie



Quando a editora Valentina anunciou esse lançamento, confesso que a palavra “café” me fisgou de pronto. O fato de ser em um país conhecido pela cultura dos chás me deixou ainda mais curiosa. E, assim que tive a oportunidade, parti para a leitura. Agora, venho contar como foi.



A narrativa é em terceira pessoa, o que nos proporciona saber mais da cena do que aconteceria se fosse em primeira pessoa. A cafeteria de nome incomum, a despeito de sua reputação de poder proporcionar viagens no tempo, permanece quase igual a sua forma original, com poucas mudanças e modernizações ao longo dos anos em uma ruazinha estreita e silenciosa de Tóquio, em um subsolo, há mais de 100 anos, servindo um café cuidadosamente preparado.  

  

Eu achei muito interessante que mesmo para pessoas que, como eu, amam Doctor Who, tenham uma visão nova sobre viagens no tempo e como suas regras de desdobramento na história acontecem. E regras é o que bem tem nesse café. Aqueles que retornam ao passado devem estar cientes dos riscos e também das regras, já que a jornada exige que o cliente se sente em uma cadeira específica e reencontre somente pessoas que já tenham visitado o estabelecimento.



O café servido era feito de grãos da Etiópia, que têm um aroma único. Porém, nem todos gostavam — apesar de ser deliciosamente aromático, alguns achavam seu amargor frutado e suas notas complexas um pouco fortes demais.

 

A trama não começa de uma forma que te faça entender, os nomes não ajudam a você visualizar a personagem, algumas questões culturais causam uma estranheza e o fato de que a história não é linear contribuem para esse estranhamento. Contudo, a escrita já havia me conquistado e eu comecei a observar a diagramação e algumas características do texto, que me levou a desconfiar que “estava lendo errado”. Uma pesquisa rápida me mostrou que a história começou originalmente como uma peça de teatro, antes de ser adaptada para um romance em 2015. E então tudo fez sentido!

 

Ding-Dong.



Após estar ambientada ao ritmo e à história, os capítulos seguintes me pegaram de jeito. E até a marcação de mudança de cena começou a me fazer entrar de vez na história. Toda a história tem como protagonistas pessoas ligadas ao café, sejam frequentadores ou funcionários. E o livro é dividido em quatro viagens no tempo que irão, além de contar como funciona o deslocamento temporal e suas inúmeras regras, contar também um pouco mais de cada personagem que realiza a “viagem” e suas motivações. 

  

Aqui está, para mim, a grande sacada do livro, a cada novo deslocamento do tempo o motivo não é o mais importante e sim o quanto a decisão de ir e o retorno mudam a história não de quem foi o motivador da viagem, mas sim de quem a fez. E o sentido da mudança é ainda mais profundo do que a de um momento na vida, faz com que o tempo que uma xícara de café leva para esfriar mude completamente a história de quem tomou o café quase frio dessa xícara.



A água escorre dos lugares altos para os mais baixos. Sempre. É a natureza da gravidade. As emoções também parecem agir de acordo com a gravidade. Na presença de alguém com quem se tem laços, a quem você já confiou seus sentimentos, fica difícil mentir sem que o outro perceba. A verdade simplesmente quer fluir, se libertar.

 

Preciso dizer que após ler a metade do livro era impossível não querer continuar a leitura e querer conhecer um pouco mais de cada personagem, porque, à medida que o porquê de a cena anterior ter sido contada daquele jeito é revelada, é impossível não precisar entender outra e outra cena. Confesso que eu entendi quem era um viajante em questão, porém nunca poderia imaginar a proporção da história até que o capítulo que a revelava viesse a acontecer, o que só fez aumentar minha admiração pela história, por ser preciso se atentar aos detalhes para não perder as revelações que virão a seguir.



Outro ponto interessante é que a todo momento temos referências e acesso a pontos culturais, desde os mais simples aos que são comuns ao povo japonês. Desde sua maneira para lidar com relacionamentos e sentimentos a como eles preferem seu café, desde o sabor ao preparo. As roupas e os marcos de estações são algo que também aguça a curiosidade por serem tão diferentes de nossa cultura. O que dá ao livro um tom muito verossímil e faz com que uma possível estranheza seja um caminho para conhecer outro jeito de viver. Os diálogos são incríveis, não por sua maneira de acontecer, mas por serem pontos-chave para revelar o interior de cada personagem, sua maneira de ver e sentir o mundo. 

  

Vou me desculpar por não contar mais sobre os contos, mas creio que realmente fazem parte da experiência de leitura ler e descobrir a história, o aprendizado e reflexões que veem de cada uma delas. Eu realmente gostei de que foi tratado como ponto principal desse desejo de uma segunda chance em algum momento da vida de cada personagem e como isso foi tratado no livro, creio que posso dizer de uma forma muito respeitosa. Porque creio que, ao menos uma vez, todo mundo acaba por pensar no que faria ou diria se recebesse a chance de voltar em um determinado momento de sua própria história. E o trabalho que o autor faz, de mostrar a diferença entre a expectativa e a realidade, é realmente primoroso, mesmo de forma minimalista. O que também acarreta a frustração de nem todos os personagens terem seus “finais” contados, deixando várias perguntas em aberto.



Eu estava tão concentrada no que não dava para mudar que me esqueci da coisa mais importante.

 

Mas esse livro ganhou uma continuação por isso merece o benefício da dúvida, do talvez. É possível que essas respostas estejam nesse segundo livro. Eu, honesta e sinceramente, espero que estejam lá. Por fim, digo que leiam essa história e bebam um (ou mais) delicioso café, enquanto aprecia cada viagem.



Agora, como é tradição, eu falo da linda edição da Valentina, com papel e fonte confortáveis para leitura, uma diagramação espetacular para leitura e a história, uma tradução muito confortável e notas que agregam ao entendimento da história. A capa fica ainda mais impactante depois da leitura, porque possui elementos importantes da história e deixam aquele gostinho de reconhecimento para quem leu. Não encontrei erros de digitação ou pontos de tradução que destoassem do texto.




Informações Técnicas do livro

Antes que o café esfrie 

Toshikazu Kawaguchi 

Tradução: Priscila Catão 

Ano: 2022 

Páginas: 208 

Editora: Valentina 

Sinopse:

Em uma ruazinha estreita e silenciosa de Tóquio, num subsolo, existe um estabelecimento que, há mais de 100 anos, serve um café cuidadosamente preparado. Graças a uma lenda urbana, o local recebe diversos frequentadores que esperam ansiosamente para viver uma experiência única: fazer uma viagem no tempo.   

Aqueles que retornam ao passado devem estar cientes dos riscos e também das regras, já que a jornada exige que o cliente se sente numa cadeira específica e reencontre somente pessoas que já tenham visitado o estabelecimento. Mesmo assim, quatro personagens aproveitam a oportunidade para tentar resolver dramas do passado.  

A experiência é imperdível, mas o tempo é curto. Mais precisamente, até o café esfriar. 

Antes que o Café Esfrie é um romance do autor japonês Toshikazu Kawaguchi e bestseller do USA Today e do Times de Londres. Alcançou o 1º lugar na lista de mais vendidos (ficção literária internacional) da rede de livrarias Waterstones, no Reino Unido, e foi o romance traduzido mais vendido de 2020. No Japão, ultrapassou a incrível marca de 1 milhão de livros vendidos e segue fazendo sucesso em outros países como Taiwan, França e Itália. 




Para comprar:

 Livro Físico

 E-book


Para a Editora Valentina, leitura é, acima de tudo, entretenimento.
Olho vivo e faro fino.
Esse é, na verdade, o lema de todo grande editor. E a pinscher dessa editora encarna esse lema como ninguém.


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Um comentário:

  1. A muinto sei,
    que o café faz o tempo parar.
    Mas nunca pensei,
    que o fizesse voltar.

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