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21 janeiro, 2019

Resenha :: O Dia em que Conheci Meu Pai pela Segunda Vez

janeiro 21, 2019 4 Comentários

Esta não é uma história da polícia. É a história de um policial.

Esse livro é uma linda homenagem ao pai, policial e herói na vida da autora. Afinal existe algo mais heroico que colocar a vida em risco pela segurança de outra vida? Contudo, para mim, dizer que são contos limita e simplifica muito textos que são realmente lindos e contam histórias da vida real, que só quem realmente vive as situações é capaz de visualizar com toda a grandeza do que é, mas que nesse livro ficam muito próximos a realidade daquele momento. O Dia em que Conheci Meu Pai pela Segunda Vez é uma antologia de contos e o primeiro livro escrito pela autora Tamires de Carvalho.

Pergunte aos funcionários mais antigos pelo Paulo. Sou eu. Carvalho é meu sobrenome, ou nome de guerra, como dizem.

Preciso dizer que é impossível não se simpatizar e até mesmo criar uma empatia muito grande pelo personagem central desse livro, o Paulo Carvalho. Mas é interessante que ao longo da leitura, você deixa de lembrar que um dia o Carvalho não foi policial, meio que como um filho olha para os pais e tem dificuldade de imaginar que um dia foram solteiros, não se conheciam... E isso me chamou a atenção durante a leitura.

O lado de quem já sentia a farda no corpo. Era só fechar os olhos, e eu podia senti-la aqui, me vestindo. Eu já era policial, eu tinha de ser policial.

Amei a ordem em que os contos foram colocados, porque cada história deixa um gosto ainda mais especial ao anterior, mesmo que não sejam ligados ou continuados. Só posso dizer que ler é o único modo de entender, exatamente, porque esse livro é tão lindo. Além de bem escrito, o fato de ler como se o próprio Carvalho estivesse me contando a história criou um momento fascinante de leitura porque é raro algo assim, uma ligação tão forte com "quem conta" e com o que é contado.


Por ser um livro pequeno estou me segurando para não contar um pouco de cada história, porque acho que isso pode tirar o prazer da primeira leitura, mas sinceramente, vou deixar aqui minhas impressões sobre algumas histórias de forma muito leve, só para te mostrar porque o livro foi tão especial pra mim.

A primeira vez de um policial, aqui temos o drama da primeira morte, com o uso da farda. Não tem como ficar indiferente a esse momento. Afinal a certeza que ele vai acontecer durante a carreira é o motivo de muitos não cogitarem a profissão e de outros ansiarem por ela. E durante a leitura me ficou uma lição preciosa, que diria a qualquer pessoa em ambos os casos:

Mas depois que você entra no fogo cruzado, não lembra nem o nome da sua mãe, que dirá contra quem está guerreando.

Corpo fechado, esse entrou para o momento mais leve da leitura e me fez rir demais, porque temos o crédulo e o descrente durante a narrativa e os fatos que se seguiram foram impossíveis de não cair na gargalhada, apesar de trágico foi cômico.

Os primeiros (e únicos) tiros que tomei, tão inerente a ser policial quanto atirar e saber que as chances e possibilidades de ser alvejado por um tiro são grandes. Como diz a música do grupo Rappa, "também morre quem atira" e para mim a maior missão de um policial é voltar vivo para casa. Nesse conto, é impossível não ficar ao lado do Carvalho naquele momento, sentindo as mais diversas sensações e por fim a dor do tiro.

Mas a vida não é tão simples, temos contas a pagar, e se tem uma coisa que não dá para se tornar é ex-policial.

Deixo aqui essa verdade, que apesar de tão óbvia pode passar despercebida para quem não vive o dia a dia da farda. Uma vez, para sempre.

Para quem como eu já "perdeu" sua melhor amiga de toda a vida sabe a dor dilacerante e inenarrável que é.  Posso dizer para você que é tão grande, tão intensa que parece que você também vai morrer naquele momento, porque simplesmente parece impossível a vida continuar depois daquele momento. 

O funeral de um amigo, que compartilha com você todo o drama e as alegrias de vestir uma farda, é como velar a si próprio.

Perder um amigo, ler sobre como é perder um amigo, que literalmente guarda suas costas e que será os olhos que vai te proteger enquanto você o protege me fez pensar que existem dores ainda maiores e que, para mim, apresenta de certo modo requintes de crueldade, afinal todos os dias ele vai reviver o momento e notar que aquele seu amigo não está ali e que o que está pode ser o próximo a não estar. Que você pode ser esse amigo, que deixou essa dor, esse vazio e o luto. Todos podemos morrer, mas para eles esse pensamento não é algo que acontece durante o drama e sim é a constante do dia. E mesmo assim, eles continuam.

Infelizmente, as palmas e os agradecimentos chegam, em sua maioria, apenas quando já fechamos nossos olhos.

Quando me mudei para a roça, sair do grande e violento Rio de Janeiro para um lugar pacato, além de levar nosso personagem a uma nova realidade, nos leva junto a uma nova história. Sério, a mudança é tão drástica que é impossível não ver como um recomeço e sinceramente maravilhoso, inclusive para quem lê. A partir dessa mudança os contos ganham um novo tom, tão envolventes em sua narrativa quanto o anterior, porém te deixam com o coração mais leve para conseguir absorver todas as histórias, lições de vida e, principalmente, te preparar para o fim do livro.

Saí do batalhão pela última vez, em câmera lenta, olhando tudo e guardando tudo na memória. Educai as crianças e não será necessário punir os homens.


Quero agradecer a autora, por essa história maravilhosa e por ter me enviado o livro físico, que foi impresso a partir do e-book disponível na Amazon. Uma edição linda que trouxe em seu final uma imagem que deu vida e eternidade ao Carvalho em minha memória. Terminei a leitura como se houvesse o conhecido e tido a honra de conhecer sua história. Foi realmente lindo e emocionante cada momento dessa leitura.


Nota ::  4,5


Informações Técnicas do livro

O Dia em que Conheci Meu Pai pela Segunda Vez
Ano: 2017
Páginas: 76
Editora: Independente
Sinopse:
“O dia em que conheci meu pai pela segunda vez” é uma antologia de contos e o primeiro livro escrito pela autora Tamires de Carvalho. São narrativas inspiradas nos 'causos' de polícia que seu pai adorava contar e que mostram como a profissão de policial militar pode moldar o caráter e a personalidade de um homem. Do início ao fim, o dia a dia de abordagens, perseguições e conflitos de exercer esta profissão.


_____Sobre a Autora_____

Tamires de Carvalho



Mora em Patrocínio do Muriaé, interior de Minas Gerais, é estudante de Letras pela Universidade Federal Fluminense (UFF/Cederj) e apaixonada por livros e literatura. Tem um blog onde compartilha suas leituras e desde 2017 tem publicado contos de forma independente na Amazon, além de participar de coletâneas literárias.